Dra. Paula Ribeiro – Neurologia Pediátrica em Alfenas – MG

A epilepsia é um distúrbio neurológico crônico caracterizado por crises epilépticas recorrentes.
Afeta milhões de pessoas e pode se manifestar em qualquer faixa etária, inclusive em crianças.

As crises epilépticas podem ter um impacto significativo no desenvolvimento das crianças. É essencial que os pais e responsáveis conheçam os sintomas, as causas, os tipos de crises e as possibilidades de tratamento.

Este artigo tem o objetivo de esclarecer os principais pontos relacionados à epilepsia na infância, auxiliar na identificação de sinais de alerta e orientar caminhos para um cuidado adequado.

Dra. Paula Ribeiro tem formação em pediatria e neurologia infantil, com experiência em atendimento de pacientes com epilepsia e outras doenças neurológicas.

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DEFINIÇÃO E CONCEITO DE EPILEPSIA

A epilepsia é um distúrbio cerebral crônico que acarreta predisposição a crises epilépticas recorrentes, secundárias a descargas elétricas excessivas ou anormais. As crises se manifestam de diferentes formas, podem ser parciais ou generalizadas e variam desde episódios com sintomas discretos até abalos musculares intensos.

Simbolo da epilepsia

Segundo dados de 2022, da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2% da população brasileira e  50 milhões de pessoas no mundo são acometidas por essa doença.

A epilepsia ainda é objeto de muita desinformação por parte da população. Ela não é uma doença psiquiátrica nem é contagiosa. Na verdade, é um transtorno neurológico passível de controle adequado na grande parte dos casos, especialmente quando identificado precocemente e tratado de forma adequada.

CRISE CONVULSIVA X EPILEPSIA

A epilepsia é uma condição crônica caracterizada por crises epilépticas recorrentes e não provocadas, ou seja, sem relação com a presença de febre, uso de drogas ou distúrbios metabólicos.

Já a convulsão é um episódio de contração muscular excessiva ou anormal. A crise convulsiva pode ser um sintoma da epilepsia ou ser secundária a outras condições, como infecções do sistema nervoso central ou traumatismo craniano.

Nem toda convulsão é uma crise epiléptica. Para o diagnóstico de epilepsia é necessário que as crises sejam recorrentes e sem relação com causa aguda. Nem toda epilepsia gera convulsão. Existem crises epilépticas que não se manifestam com abalo motor.

DADOS SOBRE EPILEPSIA NA INFÂNCIA

  • A epilepsia é um dos distúrbios neurológicos mais comuns na infância e afeta cerca de 1% das crianças.
  • A maioria dos casos pode ser controlada com medicamentos anticonvulsivantes.
  • Cerca de 20% das crianças com epilepsia podem apresentar dificuldades de aprendizado ou outros problemas de desenvolvimento, segundo dados do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.

CAUSAS E FATORES DE RISCO

As causas da epilepsia na infância são diversas e incluem:

  1. Causas genéticas: algumas síndromes epilépticas são decorrentes de mutações ou variantes genéticas que acarretam predisposição às crises, e podem ser herediárias ou não.
  2. Lesões pré-natais ou perinatais: alterações gestacionais, como infecções, hipóxia (falta de oxigênio) ou traumas no parto podem afetar o desenvolvimento do cérebro, como no caso da paralisia cerebral (PC).
  3. Lesões cerebrais: meningite, encefalite, traumatismo craniano e acidente vascular cerebral (AVC) podem ocasionar sequelas graves e o paciente evoluir com epilepsia.
  4. Tumores cerebrais: algumas neoplasias podem ser fator de risco para crises.
  5. Malformações cerebrais: alterações no desenvolvimento do cérebro podem estar associadas a predisposição a crises epilépticas.
  6. Causas desconhecidas: muitas das vezes a causa não é identificada, apesar de intensa investigação.
Menino com epilepsia

TIPOS DE CRISES E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As crises epilépticas são classificadas de acordo com sua origem e sua manifestação.
Algumas das formas mais frequentes na criança são:

  • Crises de ausência: ocorre interrupção abrupta e breve da atividade e capacidade de resposta do paciente, caracterizada por olhar vago e parado, com duração de poucos segundos. Estas crises podem passar despercebidas ou serem confundidas com falta de atenção.
  • Crises tônico-clônicas generalizadas: acomete todo o corpo, com perda da consciência, rigidez muscular (fase tônica) seguida de contrações musculares rítmicas (fase clônica). Pode estar associada a perda do controle de esfincteres (bexiga e intestino).
  • Crises focais: inicia-se em uma área específica do cérebro e gera sintomas
    localizados. Os sintomas são variados e podem envolver movimentos involuntários em um lado ou parte do corpo, alterações visuais, auditivas ou sensoriais.
  • Espasmos infantis: acomete principalmente bebês e se iniciam antes de 1 ano de idade. São caracterizados por flexões súbitas do tronco, braços e pernas. Exige avaliação imediata porque pode indicar síndromes epilépticas mais complexas.

A precisão na descrição dos episódios é valiosa para o neurologista e permite decisões acertadas quanto ao diagnóstico e o tratamento a ser iniciado.

Pessoa em crise convulsiva

COMO RECONHECER E AGIR DIANTE DE UMA CRISE?

Reconhecer uma crise epiléptica nem sempre é fácil. Alguns sinais de alerta:

  1. Perda súbita de consciência ou de interação com o ambiente (parece estar “fora do ar”).
  2. Movimentos involuntários e tremores musculares  (convulsões).
  3. Rigidez corporal excessiva.

Ao presenciar uma crise, mantenha a calma e siga algumas recomendações:

  1. Mantenha a criança protegida, minimize o risco de queda e evite objetos que possam machucá-la.
  2. Deite-a de lado (posição lateral de segurança) para evitar engasgos e sufocamento com a saliva, preferencialmente sobre o lado esquerdo do corpo.
  3. Não introduza nada na boca, como colheres ou objetos. Isso pode causar ferimentos.
  4. Observe o tempo de duração da crise e procure ajuda médica imediatamente. Crises recorrentes ou com duração maior que 5 minutos necessitam de avaliação em serviço médico. 

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO

CRIANÇA NO EEG

O diagnóstico adequado da epilepsia é feito pelo neuropediatra e envolve uma avaliação clínica detalhada e a solicitação de exames complementares. Os passos essenciais para o diagnóstico estão listados abaixo:

  • Histórico clínico e familiar: determinar a idade de surgimento das crises, as características do evento, possíveis fatores desencadeantes e antecedentes de epilepsia na família.
  • Exame neurológico: avaliação completa do exame físico da criança.
  • Eletroencefalograma (EEG): avalia a atividade elétrica do cérebro e pode
    detectar padrões anormais, mesmo quando realizado fora do período de crise.
  • Exames de imagem: a ressonância magnética (RNM) permite identificar alterações estruturais no cérebro, como lesões, tumores ou malformações. A tomografia computadorizada pode ser usada quando a RNM não estiver disponível.
  • Exames laboratoriais: podem ser necessários para descartar condições metabólicas que causem convulsões, como os distúrbios hidroeletrolíticos.

Filmar o episódio permite melhor avaliação pelo médico e facilita o diagnóstico. A filmagem deve ser realizada apenas quando os primeiros cuidados ao paciente estiverem estabelecidos e a família se sentir confortável.

TRATAMENTO E CONTROLE DAS CRISES

O principal tratamento para epilepsia é uso de medicamentos antiepilépticos, conhecidos também como anticonvulsivantes. Esses remédios visam reduzir a frequência ou intensidade das crises.

Existem diversas classes de medicamentos e o acompanhamento com o médico especialista é fundamental para a escolha do fármaco a ser utilizado.

Deve-se atentar e respeitar a dose e o horário de administração. O controle adequado da crise está diretamente relacionado à adesão correta ao tratamento. Muitos pacientes ficam livres de crises quando seguem corretamente as orientações médicas.

Abaixo estão algumas alternativas disponíveis para os casos resistentes ao tratamento medicamentoso:

  1. Dieta cetogênica: Rica em gorduras e pobre em carboidratos. É aconselhada nos casos refratários de algumas síndromes epilépticas específicas.
  2. Estimulação do nervo vago: Implante de um dispositivo que auxilia a reduzir a frequência das crises em casos definidos. 
  3. Cirurgia: Indicada em casos de lesão cerebral focal e bem definida, passível de remoção.

EPILEPSIA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL

A epilepsia pode ter impacto importante no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças, principalmente nos casos de difícil controle.

Algumas crianças podem apresentar dificuldades escolares devido ao comprometimento da cognição, atenção e memória, problemas emocionais, como ansiedade e baixa autoestima, principalmente pelo medo das crises e o preconceito dos colegas.

Com orientação adequada, muitas crianças convivem bem com a epilepsia. É importante que a escola e a família sejam instruídas sobre a condição, o que permite o apoio necessário ao bom desenvolvimento dos pacientes.

O acompanhamento por uma equipe multidisciplinar (neurologista, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo) pode ser essencial em casos específicos para oferecer suporte completo à criança.

criança brincando

COMO A FAMÍLIA PODE AJUDAR?

Os pais e cuidadores têm um papel fundamental no cuidado das crianças e adolescentes epilépticos. É essencial:

  • Buscar informações, conhecer a condição, seus sintomas, causas e tratamentos. Observar a presença de desencadeantes das crises. O conhecimento permite manter a calma durante as crises e garantir a segurança dos pacientes.
  • Manter uma rotina de sono adequada. A privação de sono pode favorecer
    o descontrole das crises.
  • Estimular, apoiar e oferecer suporte emocional aos pacientes.
  • Orientar a escola e os professores sobre como agir caso os episódios aconteçam no ambiente escolar.

QUALIDADE DE VIDA E EXPECTATIVAS

A qualidade de vida dos pacientes epilépticos pode ser influenciada por vários fatores, como a adesão ao tratamento, o controle adequado das crises e presença de suporte médico e familiar.

Muitas crianças vivem de forma plena, participando ativamente das mesmas atividades que seus colegas.

Após um período satisfatório de controle das crises, o médico avalia a possibilidade de suspensão gradual do tratamento medicamentoso. Essa decisão é individualizada para cada caso e para cada paciente. Ter um neuropediatra de confiança facilita o processo decisório sobre a melhor hora para interromper o tratamento.

CONSELHOS AOS CUIDADORES

  1. Mantenha um diário das crises: anote data, horário, duração e sintomas.
  2. Programe consultas regulares: é fundamental avaliar a necessidade de ajuste da dose e monitorar os efeitos colaterais.
  3. Evite longos períodos sem dormir: estabelecer rotina de sono adequada é um dos pilares do tratamento da epilepsia.
  4. Não interrompa a medicação sem orientação médica: mesmo que as crises pareçam controladas.

Esses cuidados simples contribuem para a segurança da criança e para o sucesso do tratamento.

CONCLUSÃO

A epilepsia na infância requer atenção, conhecimento e acompanhamento profissional.

O atendimento médico precoce, a adesão ao tratamento, o apoio familiar e escolar são fundamentais. O suporte permite o controle de crises na maioria dos casos. O paciente pode levar uma vida tranquila, com crescimento emocional, acadêmico e social adequados.

A informação é a fundamental para combater preconceitos e mitos. Entender a epilepsia permite a criação de um ambiente propício ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS

  • Organização Mundial da Saúde (OMS) – Dados sobre epilepsia.
  • Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (Portaria nº 1.554/2013) – Ministério da Saúde, Brasil.
  • Aaberg KM, Gunnes N, Bakken IJ, Lund Søraas C, Berntsen A, Magnus P, Lossius MI, Stoltenberg C, Chin R, Surén P. Incidence and Prevalence of Childhood Epilepsy: A Nationwide Cohort Study. Pediatrics. 2017 May;139(5):e20163908. doi: 10.1542/peds.2016-3908. Epub 2017 Apr 5. PMID: 28557750.