Dra. Paula Ribeiro – Neurologia Pediátrica em Alfenas – MG

A crise convulsiva febril é um tema que gera muitas dúvidas e costuma ser uma grande fonte de ansiedade para pais e cuidadores. Na infância, qualquer episódio de febre pode causar apreensão, especialmente pelo medo de que desencadeie uma crise convulsiva.

Compreender o que são as crises convulsivas febris, quais os riscos envolvidos e como agir diante de um episódio ajuda a reduzir o medo e a ansiedade em relação a esses eventos.

Esse  artigo explica o que são as crises febris, suas causas, tratamento e como agir diante de uma crise. O objetivo é auxiliar pais, cuidadores e profissionais da saúde a entender melhor esse quadro.

Neuropediatra

Dra. Paula Ribeiro tem formação em pediatria e neurologia infantil, com experiência em atendimento de pacientes com crises convulsivas febris.

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O que é crise convulsiva febril?

A crise febril é uma convulsão que ocorre em crianças entre 6 meses e 5 anos de idade, com pico de incidência no segundo ano de vida. Sua prevalência varia de 2 a 5%.

A febre é o fator desencadeante para ocorrência da crise e deve-se afastar a presença de infecções do sistema nervoso central (como meningite ou encefalite) ou outras causas definidas de crise convulsiva, como hipoglicemia ou distúrbio hidroeletrolítico.

Crianças que já sofreram uma crise convulsiva não relacionada à febre são excluídas dessa definição. E é importante reforçar que as convulsões febris não são consideradas uma forma de epilepsia (saiba mais sobre epilepsia).

Crise febril

Classificação das crises convulsivas febris

As crises são classificadas em:

  • Crise febril simples:
    • Representa a maioria dos casos 
    • Duração menor que 15 minutos
    • Não recorrente em um período de 24 horas
    • Sem anormalidades neurológicas preexistente
    • São crises generalizadas, ou seja, ocorrem movimentos dos dois lados do corpo
  • Crise febril complexa:
    • Duração maior que 15 minutos
    • Podem se repetir mais de uma vez em 24 horas
    • Apresenta características focais (movimentos limitados a um lado do corpo)
  • Status epilepticus febril:
    • Crises contínuas com duração superior a 30 minutos ou convulsões intermitentes mais curtas sem recuperação neurológica entre os episódios

Causas e fatores de risco

O principal fator desencadeante é a febre. Apesar de toda criança apresentar episódios febris ao longo da infância, apenas algumas delas irão apresentar crises convulsivas associadas a febre.

Fatores genéticos desempenham papel importante nas convulsões febris e aproximadamente um terço a metade das crianças apresenta histórico familiar positivo. Os fatores de risco para recorrência das crises febris são:

  • História de crise convulsiva febril em parentes de primeiro grau
  • Idade precoce de início dos episódios (idade inferior a 18 meses)
  • Duração breve entre o início da febre e a convulsão
  • Ocorrência de convulsão febril com febre relativamente baixa
  • Início focal – crises febris complexas
  • Recorrência no mesmo episódio infeccioso

Sinais e sintomas

A crise febril tem início abrupto durante o período da febre e pode acontecer mesmo em temperaturas mais baixas, embora seja mais comum quanto maior for a temperatura aferida. Elas ocorrem mais frequentemente nas primeiras 24 horas de uma doença.

As crises têm duração média de 4 a 7 minutos, com apenas 10-15% delas durando mais de 10 minutos. 

Os sinais mais comuns observados durante a crise são:

  • Perda de consciência
  • Rigidez muscular
  • Movimentos involuntários dos braços e pernas
  • Desvio do olhar, com olhos revirados ou fixos
  • Cianose (coloração azulada da pele) ou palidez cutânea
Criança com febre

Como diferenciar a crise convulsiva febril de outros tipos de convulsão?

A crise convulsiva febril se caracteriza fundamentalmente pela sua relação com o estado febril. É essencial descartar causas de febre que justifiquem uma convulsão, como a meningite e a encefalite.

Se a criança tem histórico de crises epilépticas, não podemos classificar o episódio como febril. Este deve ser considerado como uma crise convulsiva epiléptica associada a febre.

Diagnóstico e avaliação médica

Na maior parte das vezes, o diagnóstico da crise convulsiva febril é baseado em:

  1. Histórico clínico detalhado: informações sobre duração, características da crise, presença de outras condições médicas ou neurológicas associadas e se existe algum fator de risco familiar.
  2. Exame físico: Importante para verificar se há sinais de infecção do sistema nervoso central ou outros indicativos de doença neurológica.
  3. Investigação laboratorial: pode ser usada para avaliação da causa da febre ou para diagnósticos diferenciais.
  4. Punção lombar: é reservada aos casos de suspeita de infecções do sistema nervoso central. Deve ser considerada em qualquer criança com achados sugestivos de meningite; em crianças com crises febris simples, entre 6 a 12 meses se o estado de imunização for desconhecido ou incompleto ou em uso de antibiótico prévio; nas crianças menores de 12 meses com crises febris complexas e nos casos de estado epiléptico febril.
  5. Eletroencefalograma (EEG): em geral, crianças com crises convulsivas febris simples não necessitam de EEG. Entretanto, ele pode ser indicado em alguns casos de crises complexas ou em situações de dúvida diagnóstica.
  6. Neuroimagem: tomografia computadorizada ou ressonância magnética não são indicadas de rotina e podem ser solicitadas em casos atípicos ou quando se suspeita de lesão cerebral subjacente.
Medico examinando

Manejo durante a crise

É fundamental manter a calma durante uma crise convulsiva. Alguns cuidados devem ser observados:

  • Posicionar a criança em um local seguro, longe de objetos pontiagudos ou móveis que possam causar ferimentos.
  • Virar levemente o rosto para o lado, para evitar engasgos.
  • Não segurar a criança com força, pois isso pode causar lesões musculares ou ósseas.
  • Não colocar objetos na boca, pois há risco de ferir a criança.
  • Monitorar o tempo de duração da crise
  • Leve a criança ao pronto-socorro assim que possível, principalmente se:
    • A crise durar mais de 5 minutos.
    • A criança apresentar dificuldade para respirar.
    • A criança não recuperar a consciência após a crise.
Crise covnusliva

As diretrizes da Liga Internacional Contra a Epilepsia (no inglês – ILAE) recomendam considerar uma avaliação hospitalar em toda criança menor de 18 meses que apresentar episódio de crise convulsiva febril e nos casos de crise febril complexa.

Tratamento

Na maioria dos casos, a crise febril não requer tratamento específico. O foco principal é diagnosticar e tratar a causa da febre.

O tratamento profilático contínuo (uso diário de anticonvulsivantes) e intermitente (uso de anticonvulsivante nos primeiros dias de febre) não são rotineiramente indicados. O uso destas medicações leva a efeitos adversos na maioria dos pacientes e o caráter benigno desta condição não justifica os riscos da medicação na maioria dos casos.

De acordo com a ILAE, a profilaxia intermitente pode ser considerada em casos com alto risco de recorrência, definido como pelo menos três episódios em seis meses ou pelo menos quatro episódios em um ano, crise febril complexa com duração prolongada ou que exija a interrupção com terapia farmacológica.

Estas situações específicas devem ser avaliadas e discutidas com o neuropediatra.

Prevenção

A prevenção de novas crises envolve sobretudo o controle adequado da febre. Não há consenso sobre a real eficácia dos antitérmicos na prevenção de novos episódios convulsivos e não há indicação de uso fixo destas medicações. Alguns cuidados a serem tomados durante os episódios de infecção nas crianças:

  • Oferecer antitérmicos quando a criança apresentar desconforto.
  • Manter a criança bem hidratada.

Possíveis complicações e prognóstico

A maioria das crianças com crise convulsiva febril evolui sem sequelas de longo prazo. As crises febris simples são benignas, autolimitadas e quase sempre breves.

Alguns estudos sugerem que crianças com crises convulsivas febris podem apresentar risco discretamente aumentado de desenvolver epilepsia.  Em uma criança saudável, com uma convulsão febril simples, o risco é de aproximadamente 1 a 2%, discretamente acima do da população em geral. Nos casos das crianças com convulsões febris complexas, atrasos do desenvolvimento ou histórico familiar de epilepsia, o risco aumenta para cerca de 5 a 10%.

O prognóstico é favorável na maioria dos pacientes. De toda forma, devemos monitorar a saúde da criança diante de futuras infecções e febres, além de manter acompanhamento com o pediatra ou o neurologista pediátrico quando necessário.

Criança brincando

Dados estatísticos

  • A crise febril afeta cerca de 2% a 5% das crianças com menos de 5 anos.
  • A maioria das crises são simples e não causam danos permanentes.
  • O risco de recorrência da crise febril após o primeiro episódio é de cerca de 30%. E o risco aumenta para aproximadamente 50% após um segundo episódio.

Quando procurar um neurologista pediátrico?

É importante procurar um neurologista pediátrico nos seguintes casos:

  • Ocorrência de crise febril complexa.
  • Recorrência frequente de crises febris.
  • A criança apresentar outros sintomas neurológicos.
  • Houver histórico familiar de epilepsia

O especialista é um ponto de apoio importante para orientar os pais, tranquilizar sobre o prognóstico e definir se há necessidade de investigações complementares.

Neuropediatra

Conclusão

As crises convulsivas febris são eventos relativamente comuns na infância, acometendo até 5% das crianças em todo o mundo. Embora sejam assustadoras para os pais e cuidadores, especialmente no primeiro episódio, na maioria dos casos elas são benignas e não deixam sequelas neurológicas.

A informação de qualidade possibilita manter a calma durante o episódio, seguir as orientações gerais de segurança e buscar ajuda médica quando necessário.

Se você tiver dúvidas específicas ou se houver qualquer alteração significativa no quadro clínico do seu filho, procure avaliação médica presencial.

REFERÊNCIAS

  1. Capovilla G, Mastrangelo M, Romeo A, Vigevano F. Recommendations for the management of “febrile seizures”: Ad Hoc Task Force of LICE Guidelines Commission. Epilepsia. 2009 Jan;50 Suppl 1:2-6. doi: 10.1111/j.1528-1167.2008.01963.x. PMID: 19125841.
  2. Eilbert W, Chan C. Febrile seizures: A review. J Am Coll Emerg Physicians Open. 2022 Aug 23;3(4):e12769. doi: 10.1002/emp2.12769. PMID: 36016968; PMCID: PMC9396974.